Cada hectare plantado com milho em Santa Catarina pode render, em média, 4,2 toneladas a mais do grão se o agricultor adotar melhorias no manejo agronômico. Essa é a conclusão de um estudo desenvolvido pela Epagri em parceria com a equipe FieldCrops da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A produtividade média de milho registrada nos últimos anos no Estado é de apenas 6,9 toneladas por hectare.
O estudo investigou fatores que impedem que as colheitas de milho sejam maiores no Estado e apontou caminhos para aumentar a produtividade
A pesquisa concluiu que se as melhorias de manejo forem aplicadas nos 246 mil hectares cultivados com milho para a produção de grãos em Santa Catarina, o Estado pode colher 1,04 milhão de toneladas a mais por ano. “O estudo aponta como essa lacuna de produtividade pode ser explorada para aumentar, de forma sustentável, a produção catarinense de milho”, resume Leandro Ribeiro, pesquisador do Centro de Pesquisa para Agricultura Familiar (Epagri/Cepaf) e coordenador do estudo.
O projeto, chamado Potencial e Lacunas de Produtividade do Milho em Santa Catarina (GYGAS Milho SC), investigou os fatores que impedem que as colheitas do grão sejam maiores.
Durante três anos, pesquisadores e extensionistas se dedicaram a estimar quanto milho o Estado tem potencial para produzir sem ampliar a área plantada e de que forma isso pode ser alcançado.
A pesquisa integra o Global Yield Gap Atlas (GYGA), um protocolo global com mais de 70 países participantes. A iniciativa é liderada, mundialmente, pela Universidade de Nebraska (EUA) e pela Universidade de Wageningen, da Holanda.
A pesquisa foi conduzida durante as safras 2020/2021 e 2021/2022. Nesse período, os extensionistas da Epagri acompanharam 293 lavouras de milho em 42 municípios de Santa Catarina. Eles levantaram dados sobre práticas de manejo, características do solo e produtividade das lavouras. Essas informações permitiram identificar, por meio de testes estatísticos, quais fatores de manejo diferenciam as lavouras de alta produtividade e as de baixa produtividade no Estado.
Ao mesmo tempo, foram conduzidos experimentos de campo, na área da Epagri/Cepaf, para validar o modelo Hybrid-Maize. Esse modelo de simulação foi usado para estimar o potencial de produtividade de milho nas principais regiões produtoras catarinenses. Para levantar os dados para a simulação, os pesquisadores selecionaram zonas de similaridade climática representativas da área de produção de milho em Santa Catarina. Depois, elencaram nove estações meteorológicas da rede da Epagri/Ciram como referência para as regiões.
Em cada estação, foram levantados os seguintes dados de um período de 15 anos (2006 a 2020): temperatura máxima, temperatura mínima, radiação solar, precipitação, velocidade do vento e umidade relativa. Além disso, os pesquisadores utilizaram na simulação informações sobre o manejo da cultura (como ciclo de desenvolvimento, data de semeadura e densidade de semeadura) e dados de solo de cada região. Reunindo e analisando todas as informações levantadas, a equipe descobriu quanto milho Santa Catarina é capaz de produzir na atual área plantada e quais são os caminhos para aumentar a produtividade.
De acordo com a pesquisa, a faixa de semeadura de milho que proporciona produtividades superiores a 12t/ha no Estado é de 1º de setembro a 1º de outubro.
“Verificamos que semeaduras antes de 31 de agosto estão sujeitas a perdas de produtividade de 200kg por hectare por dia de antecipação, o que se relaciona, principalmente, à possibilidade de ocorrência de geadas e desenvolvimento de patógenos de solos que impedem a adequada população da cultura”, diz Leandro Ribeiro. Em semeaduras após 2 de outubro, foi identificada perda de produtividade de 120kg por hectare a cada dia de atraso.
O pesquisador explica que esse é um dos fatores com maior influência no potencial de produtividade das lavouras, e a vantagem é que ele não aumenta os custos de produção. “Alterar a época de semeadura e o ciclo de desenvolvimento utilizado são as formas que temos de ajustar a ocorrência das fases de desenvolvimento críticas e as condições ambientais adequadas”, esclarece.
Outro fator que pesa na produtividade é o número de plantas estabelecidas. O estudo apontou que uma densidade final média de 73 mil plantas por hectare, como média geral no Estado, permite atingir altas produtividades nas lavouras de milho. “No entanto, tais ajustes de densidade de semeadura e, consequentemente, de população final de plantas, devem ser estabelecidos conforme análise do ambiente de produção, nível tecnológico e poder de investimento do agricultor”, diz Leandro.
A importância de corrigir adequadamente o pH solo também ficou evidente nos resultados do estudo. Os dados apontaram que a cada 0,1 de pH abaixo de 5,5 nas lavouras analisadas, houve redução de 489kg/ha na produtividade de grãos. “Os agricultores mais atentos à correção do solo, que fizeram análise e aplicação de calcário nas doses e nos intervalos adequados, obtiveram maiores produtividades”, revela o pesquisador Leandro.
Para atingir altas produtividades de milho, também é necessário atender as exigências nutricionais das plantas. Nesse estudo, os pesquisadores identificaram que as doses aplicadas de nitrogênio, fósforo e potássio afetaram significativamente os resultados de lavouras de altas e baixas produtividades.
Doses superiores a 186kg/ha de nitrogênio permitem atingir produtividades próximas a 12t/ha, desde que o manejo seja adequado. A pesquisa também apontou que, em média, doses próximas a 125kg/ha de fósforo e 118kg/ha de potássio maximizam a produtividade de milho em Santa Catarina.
A cigarrinha-do-milho se destacou como a principal praga nas lavouras durante as safras analisadas. Esse inseto transmite as doenças do complexo de enfezamentos, que podem causar perdas de produtividade superiores a 90%.
A cigarrinha ataca as plantas durante todo o ciclo, mas é nos estágios iniciais que causa maiores impactos. Esse é o momento em que o controle químico (associado ou não a produtos biológicos) é mais indicado.
Isso ficou bem claro na pesquisa: as lavouras que receberam a primeira aplicação de inseticida nos estágios iniciais da cultura (logo após a emergência) tiveram maiores produtividades do que as lavouras que retardaram o início do manejo com inseticidas.
O estudo oferece caminhos para reduzir o déficit na produção de milho em Santa Catarina, já que o grão é fundamental para abastecer as cadeias produtivas de proteína animal. Em 2022, o Estado foi o maior exportador de carne suína e o segundo maior exportador de carne de frango do Brasil. Em 2023, a demanda catarinense de milho foi estimada em 8,2 milhões de toneladas, enquanto a produção foi de 3,4 milhões de toneladas, de acordo com a Epagri/Cepa.
“Os resultados do projeto podem subsidiar o planejamento de políticas públicas, linhas de pesquisa dentro das unidades da Epagri e ações de extensão rural a serem aplicadas nas diferentes regiões”, conclui Leandro. De acordo com o estudo, as regiões catarinenses com maior potencial de produtividade atingível, sem fazer irrigação, são as de Major Vieira, Canoinhas e Campos Novos (Planalto Norte e Meio-Oeste). A região de menor potencial é o Sul Catarinense.
Em 2023, a equipe do projeto realizou seis eventos em Santa Catarina, percorrendo as regiões participantes, para divulgar os resultados do trabalho aos agricultores. Cerca de 2 mil pessoas participaram do Giro Técnico do Milho em Xanxerê, Ibicaré, Videira, Rio do Sul, Canoinhas e Campo Erê. Os resultados do estudo já estão balizando as recomendações técnicas da Epagri aos produtores. “Esse posicionamento está ligado, principalmente, às datas de semeadura de acordo com os resultados da pesquisa para cada região de Santa Catarina, mas também envolve questões como a adubação”, cita Marcelo Bassani, gerente regional da Epagri em Xanxerê.
Os resultados também foram apresentados a cooperativas de Santa Catarina. Com base nas lacunas apontadas na pesquisa, a CooperAlfa iniciou em 2023 o Programa Plantabilidade Legal, para difundir as boas práticas que permitem elevar a população de plantas de milho estabelecidas na lavoura. “Os resultados encaixaram com a desconfiança que já tínhamos em relação à semeadura, que impacta diretamente na população das lavouras.
O mais importante é que, para resolver isso, não é necessário nenhum investimento do produtor, apenas ajuste da máquina semeadora, regulagem e manutenção. Entendemos que o produtor faz altos investimentos em insumos e não pode iniciar o plantio errando no uso deles”, diz Claudiney Turmina, engenheiro-agrônomo da CooperAlfa.
O programa é baseado em quatro pilares: profundidade, velocidade do plantio, distribuição e densidade de plantas. Desde o início do projeto, 600 produtores foram orientados em 18 eventos sobre boas práticas na semeadura. “Muitos já perceberam os resultados assim que as plantas se estabeleceram na lavoura”, conta o engenheiro-agrônomo Marco Bongiovanni. Dentro da CooperAlfa, são 7,8 mil produtores de milho com 79,9 mil hectares plantados na safra 2023/24.
Mario Honaiser, de Campo Erê, foi um dos 293 produtores que participaram do projeto GYGAs Milho SC, abrindo as portas da propriedade para responder aos questionários e ter a lavoura avaliada. Ele mantém 150 hectares de lavouras de grãos e pratica plantio direto há mais de 15 anos, fazendo rotação de culturas com milho, soja, feijão e trigo.
Mesmo adotando tecnologias que permitem alcançar boa produtividade, Mario observou, nos resultados, que poderia melhorar alguns aspectos no manejo da lavoura de milho. Uma das conclusões do projeto foi que o espaçamento das linhas de plantio e o número de plantas por metro linear influenciam a produtividade da lavoura.
Mario, então, investiu em uma nova plantadeira, que oferece mais flexibilidade para esse ajuste, e configurou a lavoura de acordo com as orientações do projeto. “Eu usava um espaçamento de 70 a 80cm entre as linhas e reduzi para 45cm. Ao mesmo tempo, em vez de 7 grãos por metro linear, agora colocamos 3,6 a 3,7. As plantas ficaram mais bem distribuídas e têm menos competição entre si. O resultado é que elas se desenvolvem melhor”, explica.
Os resultados do projeto também motivaram Mario a fazer a correção adequada do pH do solo. “A maioria dos solos da região tem pH abaixo de 5,5. E o projeto apontou que para cada décimo abaixo disso, existe uma perda de 489kg de milho por hectare”, explica Laerton Holdefer, extensionista da Epagri em Campo Erê. Com análise de solo e correção da acidez, Mario conseguiu melhorar esse indicador, que se refletiu não só no cultivo de milho, mas também da soja.
Embora a produção de milho na propriedade de Mario sempre tenha sido modelo para outros produtores, especialmente pelo trabalho de plantio direto e conservação do solo, a produtividade dos últimos anos foi afetada por problemas como a cigarrinha-do-milho. “Já produzi 180 sacas de milho por hectare, mas nos últimos anos a produtividade foi menor”, conta. Na última safra, ele plantou 40 hectares e colheu uma média de 125 sacas por hectare.
Mas o agricultor segue na meta de produzir 250 sacas por hectare. Nas próximas safras, ele pretende usar variedades de milho mais tolerantes às doenças transmitidas pela cigarrinha-do-milho e seguir com as tecnologias de conservação do solo. Nessa região, a cobertura do solo ajuda a aumentar a capacidade de infiltração e armazenamento de água no solo e reduzir as perdas de produtividade em época de estiagem.
“Está no meu projeto plantar milho novamente, uma variedade mais tolerante à bacteriose e às doenças transmitidas pela cigarrinha. O trabalho da Epagri é muito importante porque eles dão acompanhamento nas lavouras e ajudam a gente a tomar as decisões. É importante para o produtor estar atualizado”, finaliza.
Assista: pesquisa aponta potencial e lacunas de produtividade do milho em SC