O Brasil é considerado um grande celeiro de alimentos integrado a maior biodiversidade do mundo. Extensão continental, chuvas (com suas exceções) e terras abundantes, clima e relevo favorável, entre outros fatores, contribuíram para essa realidade. A quantidade de terras não cultivadas ainda é grande, e apesar do mito da “infinitude”, sabemos que, além da região amazônica e algumas áreas do cerrado, não há ainda muita terra a ser “desbravada”. Apesar dos desmatamentos, queimadas e seus impactos negativos, a floresta amazônica continua a ser importante reguladora do fluxo de chuvas para o sul do país através dos “rios voadores”. Nesse contexto, conservar o solo e cuidar da água representam os fundamentos básicos para obter manter e melhorar o potencial dos sistemas produtivos agropecuários. Estes sistemas ocupam 30,2% do território brasileiro, ou 257 milhões de hectares, igual número obtido em toneladas no recorde de produção da safra 2019/2020. Portanto, conciliar produtividade, rentabilidade, respeitar o meio ambiente e valorizar as relações socioculturais é “o segredo do sucesso” em busca da desejada sustentabilidade.
O sistema agrícola produtivo é resultado da interação dos fatores clima (potencial energético), planta (potencial genético) e solo (potencial de fertilidade), na dependência da qualidade operacional do humano que os maneja, conforme o Pesquisador Jorge Denardin e colaboradores da Embrapa Trigo. A produtividade do sistema produtivo agrícola não pode ser superior àquela potencializada pelo fator mais limitante, segundo a “lei do mínimo”. Então, nenhuma interferência somente no fator clima ou no fator planta, visando o aumento da produtividade do sistema agrícola produtivo, surtirá efeito se o fator solo se encontrar no limite de sua potencialidade.
O ecossistema é o conjunto de relações mútuas entre fauna (animais), flora (vegetais) e microrganismos em interação com fatores geológicos (solo), atmosféricos (ar) e meteorológicos (clima). Quando acrescido do fator antrópico (homem) o ecossistema torna-se agroecossistema. Dentre a variedade e intensidade de interferências antrópicas passíveis de transformar ecossistemas em agroecossistemas, mediante a implementação de sistemas agrícolas produtivos, se destacam quatro: mobilização de solo; diversidade e arranjo espaço-temporal das espécies introduzidas; quantidade e qualidade do material orgânico aportado ao solo e frequência do aporte; e quantidade e qualidade de agroquímicos aplicados ao solo e frequência da aplicação. Assim, o efeito imediato e de extrema relevância, decorrente dessas interferências, é a alteração da taxa de decomposição do material orgânico aportado ao solo e da própria matéria orgânica presente no solo.
As intervenções de origem antrópica, ao transformar ecossistema em agroecossistema, além de interferirem na fertilidade do solo, impactam no ciclo hidrológico, pois alteram os fluxos de água no solo. A alteração da atividade biológica do solo interfere no ciclo do carbono, modificando a quantidade e a qualidade da matéria orgânica do solo, com efeitos diretos sobre a estruturação do solo. Variações na estrutura do solo alteram a relação partícula/poro do solo e, em decorrência interferem nas seguintes propriedades do solo: armazenamento e disponibilidade de água às plantas; armazenamento e difusão de calor; armazenamento e difusão de gases; resistência à penetração de raízes ou acessibilidade das raízes das plantas aos nutrientes; reação do solo (pH); disponibilidade de nutrientes; e indisponibilidade de elementos tóxicos.
O modelo de produção representa a sequência de espécies vegetais e/ou animais a ocupar, ao longo do tempo, cada gleba de terra integrante de um estabelecimento rural. Portanto, é o modelo de produção que determina a quantidade e a qualidade de material orgânico aportado ao solo, bem como a frequência com que este aporte ocorre. O modelo de produção é o fator primordial responsável pela qualidade das propriedades do solo que conferem fertilidade ao solo. Portanto, fertilidade do solo é expressa, não apenas pela disponibilidade de nutrientes, mas também pela acessibilidade das raízes das plantas aos nutrientes, definida pela estrutura do solo. Essa constatação infere que a fertilidade do solo emerge da estrutura do solo resultante da atividade biológica ao decompor o material orgânico aportado ao solo a partir das espécies integrantes do modelo de produção implementado no sistema agrícola produtivo. Nesse contexto, é meritório enfatizar que, da porção da biomassa aportada ao solo pelo modelo de produção, o sistema radicular das plantas assume maior relevância que a parte aérea das plantas, permitindo deduzir que, enquanto a palha protege o solo contra a energia erosiva das gotas de chuva, a perda de água por evaporação, a amplitude térmica do solo e a emergência de plantas daninhas, as raízes são responsáveis pela estruturação do solo agronomicamente desejada. Assim, é possível concluir que o sistema radicular das plantas, no âmbito do sistema agrícola produtivo manejado sob sistema plantio direto, é o bioinsumo primordial, condicionador a fertilidade do solo.
A conservação do solo é a ciência que estuda, desenvolve e apregoa ações de preservação, manutenção e restauração ou recuperação das propriedades biológicas, físicas e químicas do recurso natural solo, mediante o estabelecimento de critérios para sua ocupação e utilização, sem comprometer suas potencialidades originais ou primitivas. O conservacionismo é a gestão da utilização dos elementos da biosfera ou dos recursos naturais, de modo a produzir benefícios à população humana, mantendo suas potencialidades necessárias às gerações futuras. Agricultura conservacionista é a arte de cultivar a terra, em conformidade com os fundamentos da ciência da conservação do solo e o conceito de conservacionismo, e integra os seguintes preceitos: 1) Consideração à aptidão agrícola das terras, preservando ecossistemas sensíveis, como áreas de preservação permanente (margens de mananciais hídricos – nascentes, córregos, rios, lagos e reservatórios), áreas de topo de montanhas e de morros, áreas de encostas acentuadas, restingas, mangues, reservas legais etc.; 2) Consideração à capacidade de uso do solo, como textura, profundidade, relevo, pedregosidade e drenagem do solo, suscetibilidade à erosão, disponibilidade de água e de nutrientes para as plantas etc.; 2) Redução ou supressão de mobilizações de solo; 4) Erradicação da queima de restos culturais, promovendo sua incorporação ou semi-incorporação no solo ou sua manutenção na superfície do solo; 5) Diversificação das espécies, em rotação, consorciação e/ou sucessão de culturas, com aporte de material orgânico ao solo, em quantidade, qualidade e frequência compatíveis com a demanda biológica do sistema solo, com promoção de cobertura permanente de solo com plantas vivas, plantas mortas ou resíduos culturais e, se necessário, com o cultivo de adubos verdes ou plantas de cobertura; 6) Integração de sistemas de produção, como agrícolas, pastoris, silvícolas, agropastoris, agrossilvícolas, agrossilvipastoris ou silvipastoris; 7) Redução ou supressão do intervalo de tempo entre a colheita e a semeadura da cultura subsequente (processo colher-semear); 8) Manejo integrado de pragas (insetos praga, doenças e plantas daninhas); 9) Controle de tráfego mecânico, animal e humano sobre o solo agrícola; 10) Aplicação precisa de insumos agrícolas, considerando época de aplicação, dose em suficiência, espacialização na área-alvo e posicionamento no perfil do solo; 11) Implantação de práticas de natureza mecânica e/ou hidráulica, visando interceptar ou orientar ou conduzir o escoamento superficial, como semeadura em contorno, terraço em nível, terraço em desnível, canal escoadouro revestido, canal divergente revestido, culturas em faixas, vertical-mulching, cordão vegetado, taipa ou barreira de pedra, quebra-vento, adequação de estradas, dentre outras.
O conjunto de preceitos da agricultura conservacionista, constitui a base de sustentação do sistema agrícola produtivo associado ao modelo de produção, conservando o solo, a água, o ar e a biota dos agroecossistemas, prevenindo poluição, contaminação e degradação dos ecossistemas e demais sistemas do entorno, reduzindo o consumo de combustíveis fósseis e incrementando o sequestro de carbono. Por essa razão, a agricultura conservacionista é contemplada como mecanismo de transformação, organização ou reorganização de agroecossistemas e de promoção de sustentabilidade agrícola, tendo por objetivo gerar competitividade para o agronegócio, atender às necessidades socioeconômicas, garantir segurança e qualidade alimentar e preservar o ambiente.
Agradecimentos: Aos ensinamentos dos conceitos, preceitos e fundamentos da Agricultura Conservacionista preconizados pelos Pesquisadores José Eloir Denardin e Jorge Lemainski, e colaboradores da Embrapa Trigo, dos quais esse texto foi adaptado. (Fonte de consulta: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/60694555/artigo—dia-nacional-da-conservacao-do-solo–a-agricultura-praticada-no-brasil-e-conservacionista)
* Clístenes Antônio Guadagnin, engenheiro-agrônomo, Dr.; Agente de Extensão Rural da Gerência Regional da Epagri de São Miguel do Oeste; Líder do Projeto Solo, Água e Ambiente no Extremo Oeste Catarinense vinculado ao Programa Desenvolvimento e Sustentabilidade Ambiental da Epagri.
E-mail: guada@epagri.sc.gov.br; Fone: (49)3631-3229.