Ser agricultor é resistir, é superar dificuldades, é perseverar. Uma tempestade de poucos minutos pode acabar com o trabalho de anos. A pressão econômica pode represar, mas não impedir, a realização de um sonho. Pode ser preciso sair do meio rural, mas o retorno permanece como um objetivo claro, alimentado pelo amor pela terra.
A Epagri, conhecedora que é dos desafios do meio rural, se mantém ao lado dos agricultores familiares catarinenses como o braço do governo do Estado voltado para este público. Diante das dificuldades, do desejo de mudar, do sonho de produzir mais e melhor, os produtores rurais de Santa Catarina podem contar sempre com a parceria da Epagri.
Para comemorar a passagem do dia do agricultor, em 28 de julho, relatamos três histórias de superação, que servem de exemplo para quem vive no campo ou na cidade.
O sonho de criança
Moisés, de apenas três anos, corre livre pelo cultivo de morangos. De repente para, pega uma fruta e enfia na boca, com a gula típica das crianças. Érica, a mãe dele, não se preocupa. Aquele morango lindo e doce que encanta Moisés não tem uma gota de agrotóxico. A cena enche Érica de orgulho e satisfação. Aos 25 anos ela está realizando um sonho de criança: produzir alimento limpo e de qualidade em conjunto com sua família.
Há 20 anos os pais de Érica, os Pagliari, compraram a terra onde vivem e produzem até hoje, no município de Ponte Serrada. Pressionados pelas contas, eles optaram pela construção de aviários, que lhes proporcionariam uma renda mensal fixa.
Chegaram a construir dois galpões para criar aves, um de 102m² e outro de 75m². Mas não estavam felizes. Há quatro anos, diante da insistência da indústria para mais investimentos nos aviários, Érica e o pai, Vanderlei, tomaram a decisão de mudar de ramo na agricultura. E que mudança.
Érica, que já havia frequentado cursos oferecidos pela Epagri, viu na crise uma oportunidade de realizar seu sonho de produzir alimentos limpos. E não era qualquer alimento, ela queria apostar na produção orgânica. A ousadia dos mais jovens se uniu à experiência do mais velhos e, com apoio da Epagri, o projeto foi se concretizando.
Hoje a família produz hortaliças no sistema orgânico, e deve ser certificada em breve, a pandemia atrasou o processo. A produção de morangos, que já não usa agrotóxicos, está na transição dos sistema semi-hidropônico para o orgânico. Também colhem milho e feijão, estes no sistema convencional, cultivados em outra terra que adquiriram.
A mudança veio embasada por muito conhecimento acumulado com apoio da Epagri. “Falar da Epagri, pra nós, é falar de um membro da família. Tudo que a gente tem de demandas, dúvidas, a gente vai buscar na Epagri, e sempre foi bem atendido”, descreve Vanderlei. “Nessa atividade nova que a gente pegou, que foi o morango, a Epagri está sempre junto, auxiliando, dando assistência”, elogia Érica. Ela conta que foi aprendendo junto com os extensionistas da Epagri, que também precisaram atualizar seus conhecimentos na produção de morangos. “Isso que é bonito, que é bom, a gente pega junto pra aprender”.
Depois de aprender, os Pagliari estão empenhados também em ensinar. A propriedade da família faz parte de um projeto que recebe crianças. Só em 2019, foram 512 pequenos visitantes. E a expectativa para a retomada do projeto no pós-pandemia está grande. “Não tem prazer maior do que receber essa piazadinha aqui. Até hoje a gente encontra eles na rua e eles lembram do que gente passou nesses dias”, derrete-se Vanderlei. “Ver eles aqui, aprendendo da onde é que vem o alimento, é muito bonito”, conta Érica, com a experiência de quem sabe o que quer da vida.
“Meus pais nunca disseram para gente ficar aqui, eles mostraram que é bom viver aqui”, relata com emoção a jovem agricultora. Seu desafio agora é passar todo esse amor pela terra e pela produção de alimentos para o herdeiro Moisés. Pela desenvoltura com que o menino corre pelos plantios, parece que ela vai ter sucesso em mais essa missão.
A volta por cima
Na tarde de 14 de agosto de 2020, Ronei, agricultor de Tangará saiu assustado do porão da casa de seus pais e o que viu foi um cenário desolador. “Foi inacreditável a visão que a gente teve, foi assustador”. Um tornado havia atingido a propriedade e, cinco minutos depois, muita coisa não estava mais de pé.
As estufas com 8 mil mudas de morango semi-hidropônico estavam no chão. Os cinco hectares de reflorestamento, quase no ponto de corte, ficaram destruídos. Carro, barracão, telhados das duas casas, postes, tudo foi comprometido pela força do vento.
O que o vento não conseguiu abalar foi a força de vontade da família Fritzen. Neste 28 de julho eles podem comemorar o dia do agricultor com o orgulho de quem não se abateu e recomeçou. Com apoio da Epagri, Ronei acessou o programa Menos Juros. Juntou a verba recebida com recursos próprios e reconstruiu as estufas de morango, que hoje abrigam 15 mil mudas conduzidas no sistema semi-hidropônico.
“O tornado de 2020 colocou em prova a vontade da gente de continuar, de ficar na agricultura”, afirma Ronei, detalhando que naquela época recebeu uma proposta boa para trabalhar em escritório, mas não aceitou. Não seria a primeira vez que o agricultor trocaria a vida rural pela urbana. Formado em administração de empresas, permaneceu por cinco anos longe de Tangará, trabalhando no Rio Grande do Sul e em Rondônia. Mas o amor pela terra falou mais alto e ele retornou para onde afirma não querer mais sair.
Ao voltar para a propriedade rural em 2016 ele queria fazer algo diferente do que era feito há pelo menos 90 anos, desde que o avô se tornou proprietário da área. “Optei pelo plantio de morangos, a produção foi evoluindo do plantio em solos para o semi-hidropônico”, descreve. Em 2017 investiu na construção das estufas, que três anos depois estariam derrubadas pelo tornado.
Ronei não se envergonha em dizer que o cenário deixado pelo forte vento lhe causou medo e desânimo. “Mesmo assim, buscamos coragem e força de vontade de onde tinha e recomeçamos. Hoje dobrei minha estrutura. Fiquei firme, não fui embora da agricultura, continuei lidando”, ensina.
Ele tinha um ótimo motivo para continuar. “O que me motivou é toda essa história que existe em volta e o amor pela agricultura, o melhor lugar para ver a minha filha crescer também. Eu acho que esses valores não têm um preço. Não tem dinheiro que pague o amor pelo que a gente faz”.
Ronei segue determinado a se manter no campo e propiciar “um futuro bacana” para a filha Luiza, de três anos. Além de expandir um pouco a produção de morangos, ele planeja investir sempre em tecnologia, para aproximar o máximo possível sua produção do conceito orgânico. Apesar de não ter a produção certificada, ele se empenha em usar quase nada de agrotóxicos em seus morangueiros, o que garante a qualidade que fez suas frutas se destacarem no mercado. “Não tem selo orgânico, mas é de confiança e o pessoal vem também (comprar) bastante por causa disso”, acredita.
Para agricultores como ele, que enfrentam em suas rotinas profissionais situações difíceis, Ronei tem um conselho que vale também para quem mora nas cidades: “tem que ter muita fé e muito amor pelo que faz. Não perder a esperança, né? Contar com quem está perto, com a família, com os amigos. Ter calma, respirar e bola pra frente, que o recomeço é sim possível. É difícil sempre, mas não podemos desistir”. Esse é o conselho de um homem que enfrentou, e venceu, um tornado.
O retorno à terra
Era 2011 e uma crise assolava a produção de maçã em Santa Catarina. O cenário era grave para a família Silva, tradicionais produtores de Bom Jardim da Serra. A única solução era ir para a cidade, trabalhar em busca de sustento até que as coisas melhorassem.
Coube ao Fernando, recém-formado no curso de técnico em agropecuária, procurar colocação no mercado, com o compromisso não só de apoiar economicamente quem ficou na propriedade rural, mas também de reunir conhecimento e voltar assim que possível, para promover melhorias nos pomares da família. Ele retornou e trouxe consigo novos e bons tempos para a produção de maçã dos Silva.
Após deixar a propriedade, Fernando conseguiu colocação como diretor técnico da Associação dos Bananicultores de Corupá (Asbanco). Lá ele tomou familiaridade com a atividade de comercialização de frutas e fez contatos por todo o país. Em 2016, aceitou uma proposta de implantar uma fazenda de bananas no Maranhão. Na cabeça do Fernando, não eram só oportunidades de trabalho, eram chances de ele reunir informações e contatos para o negócio de sua família. “Por onde eu passei arrecadei clientes para nós”.
Em 2017 ele retornou para Bom Jardim da Serra cheio de ideias ambiciosas para trazer prosperidade aos pais Jair e Ivone e ao irmão Fabrício. Estavam todos reunidos novamente em torno do sonho de permanecer no campo com renda e qualidade de vida.
O recomeço foi ousado. A principal providência foi a instalação de uma packing house na região central da cidade. Trata-se de um galpão, equipado com esteira e câmara fria, que permite a rápida classificação das frutas e sua armazenagem por mais tempo.
O valor para montar a packing house foi dividido com outra família produtora de maçã do município. Apesar de alto, o investimento era seguro, na avaliação de Fernando. “É preciso ter um tempo de comercialização prolongado”, explica ele, acrescentando que hoje consegue oferecer maçãs de qualidade para o mercado entre janeiro e outubro.
A packing house processa cerca de 4 mil toneladas de maçãs por safra, vendidas sob a marca RS Frutiserra. Um quarto da produção vem dos pomares da família Silva, o restante é entregue pelos vizinhos associados e por outros produtores do município. Do total processado, 80% é vendido diretamente para dois clientes, um em Porto Alegre e outro no Nordeste do país. O restante é comercializado por uma empresa de representação. Todos os contatos com compradores foram estabelecidos por Fernando desde 2011.
O objetivo de Fernando é dobrar a produção processada pela RS Frutissera dentro de oito anos. Ele almeja também poder oferecer maçãs de qualidade para o mercado durante todo o ano, não somente até outubro, como acontece atualmente. “A nossa responsabilidade só acaba quando o nosso produto chega ao consumidor e o deixa satisfeito”, diz, com a mentalidade típica de um empreendedor de sucesso.
Para expandir sua produção, a família Silva está investindo também na mecanização. E aí, mais uma vez, a audácia e a criatividade fizeram a diferença. Foi preciso adaptar os maquinários disponíveis no mercado, projetados para atuar em áreas mais planas. A propriedade dos Silva, assim como de muitas outras famílias de Bom Jardim, tem relevo acidentado. Mas esse não seria um empecilho, diante de tantos vencidos.
Ao sair de Bom Jardim da Serra e retornar com novos conhecimentos e competências profissionais, Fernando mudou não só a sua história e da sua família. Também mostrou aos seus conterrâneos que é possível persistir e insistir no sonho de produzir alimentos com tecnologia, inovação e rentabilidade.
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