Agricultores familiares de Santa Catarina produzem as melhores cachaças do mundo
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Os premiados participam de todas as etapas da produção da bebida, do plantio de cana à comercialização. Foto: Amaral Camargo / Banco de Imagens

A 27ª edição do Concurso Mundial de Bruxelas, maior evento voltado para avaliação e premiação de destilados do mundo inteiro, concedeu a premiação máxima para duas cachaças catarinenses produzidas por agricultores familiares: Cachaça do Conde, de Orleans, e Cafundó da Serra, de Lauro Müller. As duas foram agraciadas com a grande medalha de ouro, que é concedida aos rótulos já premiados mediante uma segunda degustação, na qual são escolhidas as melhores do evento. Os resultados da competição foram anunciados em novembro.

O concurso concede três tipos de prêmios: grandes medalhas de ouro, medalhas de ouro e medalhas de prata. Das 44 bebidas premiadas no concurso, 12 são catarinenses.  O destaque também ficou para uma aguardente do Engenho Borghezan, produzida por um agricultor de Grão-Pará, que recebeu a premiação ouro, e para a Cachaça Imigrante, de produtores de Pedras Grandes, premiados com prata. A Cafundó da Serra também teve um rótulo premiado com ouro pelo segundo ano consecutivo.

O armazenamento da cachaça em barris de carvalho confere à bebida cor e sabor diferenciados. Foto: Tanoaria Espanha

Esses empreendimentos catarinenses também vêm mostrando a qualidade dos seus produtos desde 2017 ao serem condecorados na Expocachaça, maior vitrine mundial da cachaça. Este ano, dos 148  premiados, 25 foram de rótulos catarinenses, dos quais os quatro ganhadores em Bruxelas também figuram na lista dos melhores no evento brasileiro.

A produção de cachaças diferenciadas pelos agricultores familiares se deve em parte ao trabalho da Estação Experimental da Epagri em Urussanga (EEUR), que no início dos anos de 1990 começou um trabalho de avaliação de cultivares de cana-de-açúcar para recomendação de plantio no estado, inclusive fornecendo mudas aos interessados. A unidade de pesquisa também possui um laboratório para análise dos destilados em diferentes processos da produção. Ali são avaliados parâmetros norteadores da qualidade da bebida, como grau alcoólico, acidez volátil, ésteres, aldeídos, cobre, entre outros. “Esses dados são fundamentais para ajustar a produção à qualidade desejada”, explica o pesquisador Stevan Arcari, responsável técnico pelo laboratório de bebidas da EEUR.

O coordenador do Programa Gestão de Negócios e Mercados da Epagri no Sul Catarinense, Marcelo Pedroso, afirma que é um orgulho para Empresa ter participado dessa conquista, visto que ela é parceira dos agricultores no que diz respeito à legalização dos alambiques e das unidades engarrafadoras, à capacitação para boas práticas para a produção de uma cachaça de qualidade e ao apoio na comercialização.

Reconhecimento internacional

A participação dos empreendimentos catarinenses no concurso de Bruxelas foi viabilizado pelo Sebrae

A participação dos empreendimentos desses agricultores familiares nos dois concursos foi articulada pela Associação Catarinense dos Produtores Artesanais de Aguardente e Cachaça de Qualidade (Acapacq). Dentro do projeto da Acapacq para o fortalecimento e desenvolvimento da cachaça catarinense, a entidade recebeu recursos do Sebrae para que os associados pudessem promover as bebidas do estado. O concurso de Bruxelas foi uma dessas iniciativas, que teve o Sebrae à frente para viabilizar toda a burocracia.

“Com o resultado da Expocachaça, podemos dizer que Santa Catarina está entre os estados com as melhores cachaças do Brasil. Com as premiações em Bruxelas, podemos afirmar que temos as melhores cachaças do mundo”, diz o presidente da Acapacq, Leandro Melo. Ele afirma que o estado tem joias escondidas durante muitos anos e que agora estão aparecendo.

Para ele, Santa Catarina tem algumas peculiaridades que favorecem a produção de destilados diferenciados: “Temos uma variedade de clima e solo, contamos com descendentes de imigrantes de diferentes etnias com um modo único de saber fazer e nossos cultivos possuem rígido controle fitossanitário, assim como as unidades produtoras. Além disso, contamos com um fato histórico: fomos o primeiro estado que teve essa cultura de produzir e armazenar cachaça em barris de carvalho, diferente dos outros estados ”, diz Leandro.

Controle de qualidade desde o cultivo da cana

A garapa da cana-de-açúcar é a matéria prima na fabricação da cachaça. Foto: Phil Gomes / Banco de Imagens

Cachaça é um destilado primário do mosto da cana-de-açúcar fermentado. Ou seja, recebe essa denominação apenas a bebida feita da garapa da cana fermentada e destilada. Para ser comercializada, precisa ter registo no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

O controle de qualidade da cachaça artesanal começa lá no campo, no solo usado para o plantio, que deve ter pouca acidez e boa fertilidade. No cultivo da cana-de-açúcar também deve ser feito o controle de pragas para que resulte em matéria-prima de excelência. As variedades de cana também são importantes: Ricardo Sorato, da Cachaçaria Imigrante, relata usar desde cultivares superprecoces a supertardias, para ter colheita no ano todo. “O importante é que a colheita seja feita com a cultura  100% madura para não causar acidez no produto final. O corte da cana também tem que ter mão de obra qualificada, para que seja realizado de forma correta e lá no campo já seja feita a limpeza das impurezas”, explica.

O controle de qualidade da cachaça artesanal começa lá no campo, no cultivo da cana-de-açúcar. Foto: Nilson Teixeira

O armazenamento também segue um padrão para que não acidificar a cana. A moagem deve acontecer no prazo de 24 horas depois de colhida para garantir o sabor desejado. Em seguida a bebida passa por um decantador para tirar as impurezas, segue para padronização do brix de doçura para então ir para a fermentação, que é feita por uma levedura selecionada e tem prazo para finalizar. É nessa etapa que o açúcar é transformado em álcool. “Aqui ocorre a magia da nossa cachaça”, afirma Ricardo. Ele ressalta o cuidado nesse momento, inclusive a temperatura da sala, que deve estar a 20 graus para dar conforto a essa levedura.

Após a fermentação, a bebida vai para o alambique para passar pelo processo de destilação e finalmente se transformar em cachaça, que tem a porcentagem de álcool controlada.  De lá segue para o estoque, que pode ser em dornas de inox, onde não sofre alteração de cor, ou em barris de madeira.

Conheça os destilados premiados

As cachaças premiadas em Bruxelas receberão o selo do concurso para ser usado nos rótulos das garrafas

Conheça a seguir quem são os produtores e as características das bebidas catarinenses premiadas. Aos que desejam conferir esses sabores e aromas, podem adquirir os rótulos  diretamente com os produtores ou em redes de supermercados de Santa Catarina.

Cachaça do Conde

O rótulo premiado em Bruxelas foi produzido em 2018: cachaça que descansou em barril de amburana

No ano de 2012, em Orleans, o jovem agricultor Henrique Orben decidiu investir em uma antiga atividade do pai: produção de cachaça. Ele já havia plantado fumo e trabalhado na área urbana, mas queria novos desafios. Com um olhar empreendedor e moderno da atividade, ele se capacitou em cursos no estado de Minas Gerais,  adquiriu mudas de cana-de-açúcar na Epagri e em 2014 produziu 15 mil litros com a primeira safra. Hoje a produção anual está em 50 mil litros, mas ele não tem intenção de aumentar. “Quero mesmo é agregar valor”, afirma.

Na cartela de produtos da empresa constam quatro tipos de cachaças. O rótulo premiado em Bruxelas foi produzido em 2018:  Cachaça do Conde Amburana, que descansou em barril de amburana, madeira brasileira de árvore nobre. Na Expocachaça, a premiação ouro foi para a Cachaça do Conde Blend, que utilizou as madeiras carvalho, amburana, bálsamo e jequitibá no envelhecimento,  responsáveis por garantir à bebida características peculiares e únicas.

Na Expocachaça, a premiação ouro foi para a Cachaça do Conde Blend, que utilizou as madeiras carvalho, amburana, bálsamo e jequitibá no envelhecimento

Henrique se envolve com a produção da cachaça desde o campo, com a preparação da terra para o cultivo da cana-de-açúcar, até a comercialização dos destilados. “Temos que entender de tudo”. Ele tem boas perspectivas de venda dos produtos após essas premiações, cuja procura já vem aumentando. “Agora as vendas vão deslanchar”, comemora.´

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Cafundó da Serra

Tarcício Goudinho e o filho Eduardo, da Cafundó da Serra, comemoram o ouro em Bruxelas pelo segundo ano consecutivo

A Cafundó da Serra foi criada em 2004, em Lauro Müller, por Tarcício Goudinho e o filho Eduardo, que foram capacitados para a produção da cachaça em cursos oferecidos pela Epagri.  Nesse município fica a lavoura de cana, a destilaria e o ponto de venda. Assim como na marca do município vizinho, os produtores se envolvem desde a produção da cana à comercialização. Eles também cultivam milho e feijão, mas a atividade principal é a cachaça.

A média anual de produção está na faixa de 20 mil litros. São duas bebidas registradas: e a envelhecida em barril de carvalho e a branca, conservada em barris de inox (aquela comum, usada no preparo de drinks como a famosa caipirinha). Ambas foram premiadas em Bruxelas: a primeira com o grande ouro e a segunda com ouro. A cachaça branca também recebeu ouro na Expocachaça 2020. Eduardo atribui o os títulos conquistados à dedicação na produção, que começa na safra de cana.

Dois rótulos do empreendimento de Lauro Müller foram premiados em Bruxelas: a branca e a envelhecida em carvalho

A marca é um dos empreendimentos que compõem a Cooperativa Familiar Agroindustrial Sul Catarinense (Coofasul). A  Coofasul surgiu em 2000 em Urussanga para auxiliar os  agricultores familiares da região a registrarem a marca de seus produtos familiares, como vinhos, sucos, cachaças, dentre outros produtos familiares.

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Engenho Borghezan

Valdemir Borghezan usa a madeira Tajuva para dar à aguardente um sabor diferenciado, bebida vencedora do ouro em Bruxelas

O empreendimento está situado em Grão Pará, comandado pelo agricultor Valdemir Borghezan. Ele produz 70% da cana utilizada na produção de duas aguardentes: uma tradicional e a Tajuva, que usa uma madeira nativa da região com esse nome para dar à bebida um sabor diferenciado e uma cor amarelo vivo. A Tajuva foi a vencedora do ouro em Bruxelas. A tradicional recebeu a premiação prata na Expocachaça.

A produção do Engenho Borghezan é de cerca de mil litros mensais, mas a unidade tem capacidade para cinco mil litros por mês. O agricultor relata que trabalhou muitos anos com fumo, chegou migrar para a cidade, mas retornou ao campo para criar o empreendimento próprio em 2008. Como não conhecia a atividade, foi se capacitar em cursos oferecidos pela Epagri, de onde saiu com a ideia de produzir um rótulo diferenciado, como foi  caso da Tajuva. “A Epagri faz parte desse prêmio, pois foi por meio dela que fizemos curso para melhorar a qualidade do nosso produto”, diz ele.

A Tajuva foi a vencedora do ouro em Bruxelas e a aguardente tradicional recebeu a premiação prata na Expocachaça

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Cachaça Imigrante

Empreendimento de Pedras Grandes teve um rótulo premiado no Festival de Bruxelas e três na Expocachaça

A cachaçaria Imigrante está situada no interior do município de Pedras Grandes. É uma empresa familiar guiada pelo espírito inovador do jovem agricultor Ricardo Soratto. A atividade foi iniciada em meados de 2000 pelos pais Celi e Maria Albertina, que deixaram a fumicultura e procuraram a Epagri para implantar um alambique e lá obtiveram um estudo da cachaça e orientação para construção da unidade dentro dos padrões para legalização junto ao MAPA.

Em Bruxelas a cachaça premiada foi a de bálsamo. A bebida foi produzida em 2018 e ficou no barril dessa madeira por nove meses, trocando sabores e ganhando cor amarelo-esverdeado. Segundo Ricardo, o destilado tem aroma sutil de madeira  que lembra frutas vermelhas e flores, com gosto final na boca de leve picância.

Um das premiadas, a cachaça ouro, descansou em barril de carvalho brasileiro selecionado

As bebidas premiadas na Expocachaça foram: cachaça prata, safra 2016, que ficou em dorna de inox antes de engarrafada; cachaça ouro, que descansou em barril de carvalho brasileiro selecionado; cachaça edição especial, safra de 2014, que ficou em cinco anos em barril de carvalho francês.

A produção anual é 35 mil litros. Em 2020 eles ampliaram o cultivo da cana-de-açúcar  e a unidade produtora para chegar a 100 mil litros. A marca é um dos empreendimentos que compõem Coofasul, inclusive é engarrafa lá. Até 2016 era comercializada com o nome da cooperativa. Ricardo atribui a visibilidade da marca Imigrante depois que se associou à Acapacq, pois é o trabalho da associação que têm levado o nome das cachaças de Santa Catarina para o mundo. “Nosso presidente Leandro sempre dizia que a cachaça catarinense era uma joia escondida, faltava apenas o garimpo. Agora começamos a aparecer”, diz ele.

Os produtos de excelência de Santa Catarina estão aparecendo e sendo vistos por todos a partir desses concursos. “Isso nos motiva e abre muitas poetas. Nas últimas semanas recebemos muitos turistas e contatos de novos clientes interessados a experimentar, perguntando onde comprar. Além de ser gratificante ter a premiação pelo esforço e trabalho que a família bem desenvolvendo, nos abre portas para o comércio”, comemora Ricardo.

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Mais informações e entrevistas:  Stevan Arcari, responsável técnico pelo laboratório de bebidas da Estação Experimental da Epagri em Urussanga, fone (48) 9127-9293

Informações para a imprensa: Gisele Dias, jornalista, fone (48) 99989-2992

Conheça uma unidade de processamento de cana-de-açúcar instalada no Centro de Treinamento da Epagri em São Miguel do Oeste e acompanhe o passo a passo da fabricação de cachaça.