A macarronada de domingo na casa da mãe, a bolacha pintada que a vovó fazia para o Natal, a goiaba colhida no pé do quintal onde você brincava na infância. Memórias afetivas como essas influenciam nossa relação com os alimentos e contribuem para a formação de nossos hábitos alimentares, que são desenvolvidos já na primeira infância quando inicialmente imitamos nossos familiares e amigos.
A afirmação acima é da extensionista social da Epagri de Fraiburgo, nutricionista Aline Ulir Calliari, que encontra respaldo no Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde em parceria com a Organização Mundial da Saúde. O documento promove a alimentação saudável levando em conta não apenas a ingestão de nutrientes, mas também aspectos culturais, sociais, econômicos, de produção, distribuição, sustentabilidade e a relação de cada um desses aspectos com os alimentos.
E é também baseada nos princípios da nutrição Antroposófica que Aline afirma que o ser humano não se alimenta apenas de comida, mas também de percepções sensoriais, ideias, sentimentos e beleza. Para ela, o autoconhecimento é fundamental para entender quais são nossas necessidades atuais. “Precisamos reconhecer nossos sentimentos para que nossa alimentação seja consciente e adequada”, diz ela.
“Gatilhos emocionais negativos podem nos levar a uma alimentação inadequada. A pergunta que podemos fazer é: o que estamos tentando alimentar? Muitas vezes estamos buscando alimentos para nossa alma”, diz ela. Como exemplo a extensionista cita o fim dos relacionamentos afetivos na adolescência, em que muitos jovens buscam alívio momentâneo da dor devorando uma caixa inteira de chocolates. “O doce normalmente traz lembranças da infância, de um período de muito amor, atenção, cuidado, acolhimento ou até mesmo recompensa”, ressalta. “Se identificarmos isso, podemos buscar alternativas”.
A nutricionista explica que o chocolate em si não é o problema, mas o hábito de buscar conforto nesse tipo de alimento em todos os momentos de tristeza e comê-lo em excesso pode virar um comportamento repetitivo e se tornar um transtorno alimentar. “Aí sim se torna problemático”, afirma. Aline relata que atividades ligadas à artes têm um poder incrível de auxiliar nesses momentos, como a dança, euritmia, trabalhos manuais, aquarelas, música, massagens corporais ritmadas, aromaterapia, etc. “São excelentes alternativas para suprir esse tipo de fome e acalmar os sentimentos. Estamos constantemente comendo e alimentando nossos sentimentos. Não existe uma fórmula para as pessoas, pois cada uma responde e precisa de algo diferente. O importante é o autoconhecimento para entender como o nosso corpo funciona e saber fazer as escolhas”.
Respeito aos ritmos na alimentação
Outro elemento que Aline recomenda para conquistar uma nutrição adequada é o respeito aos ritmos. “Temos ritmos orgânicos, como o do sono, da respiração, dos batimentos cardíacos e do fígado. Respeitar estes ritmos tranquiliza e acalma. Se estamos desritmados, estamos desequilibrados”. E como isso interfere na alimentação ou pode ser influenciado por ela? O principal exemplo que ela dá é o ritmo do fígado, importante órgão nas funções metabólicas do organismo.
“Muitas pessoas já passaram pela experiência de comer tarde da noite e em grandes quantidades alimentos de difícil digestão e não conseguir dormir direito. Alguns até relatam ter pesadelos e acordar no outro dia com uma sensação ruim, amarga na boca. Isso porque o final da noite e a madrugada são o momento ideal para a realização dos processos de depuração que o fígado realiza. Então, esse seria o melhor horário para o órgão eliminar substâncias tóxicas e não para trabalhar nos processos digestivos com tanta intensidade. Esse tipo de ação, com certeza vai refletir no ritmo do sono e vai acabar desequilibrando também os demais ritmos do corpo”, explica.
Aline também lembra dos ritmos da natureza, que devemos aprender a respeitar consumindo aquilo que ela oferece. “A natureza pode ser uma grande aliada na alimentação saudável, pois ela está integrada com o nosso organismo. E ela é sábia: é no outono e inverno, por exemplo, a época da colheita de frutas cítricas, justamente o período que normalmente nosso organismo necessita de uma maior quantidade de vitamina C”. A extensionista dá algumas dicas: escolher alimentos da época, frescos, que amadureceram diretamente no pé e que sejam coloridos naturalmente.”A alimentação tem que ser natural. Por isso a importância do cultivo de hortas e pomares domésticos”.
Diversidade, equilíbrio e moderação para uma nutrição adequada
Para a extensionista, a nutrição é um dos pilares da manutenção da saúde humana, ao lado do exercício físico e do equilíbrio de aspectos psicológicos e sociais. Segundo ela, uma nutrição adequada é baseada no consumo dos alimentos de uma forma integral, pois é deles que obtemos a vitalidade necessária para o bom funcionamento do organismo. A nutrição Antroposófica considera alimentos com vitalidade os frescos, orgânicos, isentos de contaminantes químicos, sem corantes e conservantes.
“Uma alimentação saudável deve priorizar os alimentos in natura de origem vegetal, conter poucos alimentos refinados, processados e ultraprocessados. Na vida moderna é quase impossível evitar os industrializados, mas o ideal é que essas opções sejam consumidas de forma pontual e racional”, ressalta. Ela lembra que essas recomendações também estão de acordo com as diretrizes da atual Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
“Precisamos compreender que comer saudável não é exatamente saber a composição química e nutricional dos alimentos ou saber calcular as calorias que cada um contém. Nutrição adequada vem de princípios como diversidade, equilíbrio e moderação. Tem dias que comemos mais, outros comemos menos, o importante é encontrar o equilíbrio”. A nutricionista é favorável à ideia de que nenhum alimento deva ser restringido se o indivíduo for saudável. “As restrições alimentares podem ser benéficas em casos específicos como nas doenças metabólicas, dislipidemias, alergias, intolerâncias alimentares diagnosticadas, entre outros”, ressalta.
E como o cultural e o social também influenciam na forma como nos alimentamos, Aline sugere o resgate de receitas e a preparação das refeições em casa, reunindo a família em volta da mesa, utilizando esses momentos para compartilhar histórias e criar novas memórias afetivas alimentares. “Aproveite as datas comemorativas para fazer preparações diferenciadas. Festas de fim de ano, almoços de domingo e aniversários são ótimas oportunidades.”
Ela ressalta que a pandemia trouxe, entre outras características, a possibilidade e a necessidade de cozinhar mais em casa. “Quem sabe não seria essa uma ótima oportunidade para desenvolver novos hábitos?”, indaga a nutricionista. Aline explica que quando cozinhamos, podemos colocar intenção de saúde nos alimentos que estamos transformando. “É muito gratificante poder partilhar nossa comida com quem amamos. Normalmente a comida caseira é saudável, saborosa, nutritiva e cheia de tradições. Atualmente, há uma frase muito simples e conhecida que se seguirmos ao pé da letra estaremos em um bom caminho: desembale menos, descasque mais”.
Informações e entrevistas: nutricionista Aline Ulir Calliari, extensionista social da Epagri de Fraiburgo, fone: (49) 99944-8666
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